sábado, 27 de setembro de 2008

Confissões, Santo Agostinho; confusões, Behaviorismo Radical.

"Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam.
O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei. Se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente.
De que modo existem aqueles dois tempos - o passado e o futuro - se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade.
Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser?"


Agostinho traz à tona uma grande dificuldade relacionada ao comportamento verbal: descrever o ambiente de acordo com propriedades de estímulos subjetivas. É sabido que o comportamento verbal fica sob controle, predominantemente, da comunidade verbal. Porém, temos que nos haver com as limitações da comunidade em treinar a cada falante. Acredito ser relevante discutir um pouco sobre comportamento verbal, propriedades de estímulos na abstração e a subjetividade do ponto de vista do behaviorismo radical.
Comportamento verbal é toda ação indireta sobre o ambiente. Indireta no sentido de que o primeiro efeito do comportamento é sobre as outras pessoas e são estas que medeiam as consequências ambientais últimas. A comunidade verbal, a cultura, treina cada pessoa para a emissão deste tipo de comportamento - o que se dá de acordo com os interesses da comunidade. Tal treino pode apresentar certas deficiências e algumas delas são agora apontadas por Agostinho com relação à descrição de acontecimentos (passados, presentes e futuros).
Um estímulo qualquer, como um objeto ou um acontecimento, pode ser descrito por uma pessoa. Eu posso dizer "Esta bola é azul" ou "Guardei aquela bola azul ontem em seu armário" desde que haja contingências relevantes para esse comportamento. A bola azul possui muitas propriedades: é redonda, tem uma certa textura, uma cor, serve para alguma coisa (jogar, fazer fisioterapia ou prender objetos) e foi guardada ontem. Mas nem todos as propriedades de estímulo controlam meu comportamento de falar: basta dizer que ela é azul e que foi guardada ontem. Quando alguns estímulos, e não outros, controlam o comportamento, dizemos que estamos abstraindo. Abstraímos quando falamos apenas de conceitos sem dar exemplos e abstraímos quando agrupamos muitos objetos de acordo com alguma propriedade comum. Abstraímos, por exemplo, ao agrupar certos acontecimentos como "passado" de acordo com a propriedade "eles já aconteceram" e outros acontecimentos como "futuro" de acordo com a propriedade "eles ainda vão acontecer". E abstraímos mais ainda ao chamar passado e futuro de tempo.
Podemos entender a subjetividade como o comportamento sob controle de propriedades de estímulos que não são muito claras. Se alguém perguntar sobre onde está a bola azul e a outra pessoa responder "não sei", ela pode estar sob controle de uma propriedade de estímulo menos óbvia, como o preço da bola ou a importância que ela tem - e isso faz com que a pessoa não a queira emprestar. É muito subjetivo emprestar uma bola; nem todo mundo fica sob controle do preço ou da importância de um objeto - e tem gente que empresta até suas jóias.
Todos esses conceitos culminam na análise de algo do que o autor está apresentando: como considerar os eventos presentes como tempo, uma vez que "considerar" está sob controle de estímulos abstratos, como a ocorrência passada ou futura destes eventos? Isso ocorre provavelmente porque a comunidade verbal treinou o autor a descrever e a valorizar os eventos passados e futuros - e deve ter falhado em ensiná-lo a descrever, valorizar os acontecimentos presentes e chamar isso de tempo. Talvez porque o valor do tempo presente é uma propriedade de estímulo mais confusa e difícil de ser descrita. É possível que os leitores consigam descrever e valorizar o tempo presente sem as dificuldades de Agostinho; ou talvez nem sejam tão sensíveis ao problema que ele aponta - o que é muito subjetivo.