terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Mênon, de Platão

Trata-se de um escrito de Platão acerca da discussão entre Sócrates e Mênon, em que Sócrates defende o inatismo, doutrina filosófica em que as pessoas possuem um saber interior que apenas emerge devido às lembraças ocorridas no contato com o mundo exterior. Nesta passagem, Sócrates inquire um servo de Mênon com questões acerca da geometria, e leva o rapaz a concordar com os apontamentos de Sócrates sobre a definição do Teorema de Pitágoras. Sócrates usa esta situação para convencer Mênon de que o jovem servo possui conhecimento inato sobre geometria, dado que este jamais havia estudado o Teorema. Seguem alguns trechos.

"Sócrates: (...) Chame um dos seus serviçais, o que você quiser, para ajudar na minha demosntração. (...) Agora observe atentamente se ele parece lembrar ou se aprende comigo. (...) Diga-me, rapaz, sabe que esta figura é um quadrado?
Rapaz: Sei. (...)
Sócrates: Agora, se este lado tivesse dois pés e aquele também, quantos pés tera o quadrado? (...) Quantos são duas vezes dois, conte e me diga.
Rapaz: Quatro, Sócrates.
Sócrates: E pode haver outra figura duas vezes maior que esta mas do mesmo tipo, também com todos os lados iguais?
Rapaz: Pode.
Sócrates: Então quantos pés terá?
Rapaz: Oito.
Sócrates: Agora tente me dizer quanto medirá cada lado dessa figura. Este aqui tem dois pés; quanto terá o lado do outro quadrado que tem o dobro do tamanho?
Rapaz: Sem dúvida o dobro, Sócrates.
Sócrates: Está observando, Mênon, que não ensino coisa alguma ao rapaz, mas apenas lhe faço perguntas? E agora ele supõe que sabe o tamanho da linha para traçar um quadrado de oito pés, ou não acha que supõe? (...) Agora observe o progresso dele ao lembrar com o uso adequado da memória. Diga-me, rapaz, a seu ver obtemos o dobro da área com uma linha que tenha o dobro da sua extensão? A área a que me refiro não é comprida numa direção e curta em outra; deve ser igual em todas as direções, como esta, mas ter o dobro do tamanho: oito pés. Agora veja se ainda acha que obtemos isso com uma linha do dobro do tamanho.
Rapaz: Acho.
Sócrates: Bem, se acrescentamos aqui outra linha do mesmo tamanho, dobramos esta?
Rapaz: Claro.
Sócrates: E você diz que teremos uma área de oito pés com quatro linhas deste tamanho?
Rapaz: Sim.
Sócrates: Então vamos traçar o quadrado, com quatro linhas aguais desse tamanho. Teremos então, a seu ver, a figura de oito pés, não é?
Rapaz: Certamente.
Sócrates: E contidos neste quadrado não temos outros quatro iguais à área de quatro pés?
Rapaz: Sim.
Sócrates: Então qual é o tamanho total? Quatro vezes aquela área, não é?
Rapaz: Deve ser.
Sócrates: E quatro vezes são o dobro?
Rapaz: Não, claro que não.
Sócrates: E quanto são?
Rapaz: O quádruplo. (...)
Sócrates: Mas com que linha vamos traçar isso? Tente nos dizer exatamente; mas, e não conseguir calcular apenas mostre que linha será.
Rapaz: Bem, Sócrates, palavra que nao sei.
Sócrates: E agora, Mênon, vê que progressos ele já fez em termos de memória? De nício não sabia que linha forma a figura de oito pés e mesmo agora não sabe, mas ntes achava que sabia e respondeu confiante como se soubesse, sem ter consciência das dificuldades; ao passo que agora sente a dificuldade em que se encontra e, além de não saber, não acha mais que sabe. (...) E sem dúvida prestamos-lhe alguma assistência, parece, para que descubra a verdade da questão, pois agora ele prosseguirá alegremente na busca do que não conhece, ao passo que antes se apressaria em supor que tinha razão em dizer, diante de todos e quantes vezes fosse, que o dobro da área deve ter um lado com o dobro do tamanho. (...) Agora observe como, em conseqüencia dessa perplexidade, ele vai prosseguir e descobrir uma coisa em investigação conjunta comigo, embora eu meramente faça perguntas e não ensine. E fique atento para ver se em algum momento lhe ensino ou explico algo, em vez de questionar as suas opiniões. Diga-me, rapaz: aqui temos um quadrado de quatro pés, não temos? Está entendendo? (...) E aqui, juntamente a ele um quadrato igual, certo? (...) E aqui um terceiro, igual aos outro dois, não é? (...) E agora vamos preencher esta área vazia no canto, está bem? (...) Então devemos ter aqui quatro áreas iguais?
Rapaz: Sim.

Sócrates: Ora bem, quantas vezes a área total é maior do que essa outra?
Rapaz: Quatro vezes.
Sócrates: Mas deveria ser duas vezes, lembra-se?
Rapaz: Claro.
Sócrates: E esta linha traçada de ângulo a ângulo dos quadrados não divide em duas a área de cada um? (...) E não temos quatro linhas iguais encerrando essa área?(...) E não temos quatro linhas encerrando essa área? (...) Agora repare qual é a área deste quadrado. (...)
Rapaz: Oito pés.
Sócrates: E com que linha foi traçada?
Rapaz: Com esta.
Sócrates: Com a linha que corta o quadrado de quatro pés de um ângulo a outro?
Rapaz: Sim.

Sócrates: Os professores chamam essa linha de diagonal. Se diagonal é o seu nome, então, segundo você, servo de Mênon, o dobro da área é o quadrado da diagonal.
Rapaz: Sim, certamente, Sócrates.
Sócrates: O que achou, Mênon? Ele deu alguma opinião que não correspondesse ao seu próprio pensamento?
Mênon: Não, todas as opiniões foram dele.
Sócrates: Mas veja, ele não sabia, como dissemos há pouco.
Mênon: É verdade.
Sócrates: No entanto, ele tinha essas opiniões dentro dele, não tinha?
Mênon: Tinha.
Sócrates: Então aquele que nada sabe de assunto algum, seja qual for, pode ter opiniões verdadeiras sobre assuntos que desconhece por completo? (...) Ora, se sempre o teve, sempre foi sabedor; e se o adquiriu em algum momento, não pode ter sido nessa vida. Ou será que algém lhe ensinou geometria? Veja, ele pode fazer o mesmo com a geometria interia ou qualquer campo do conhecimento. Ora, alguém lhe ensinou tudo isso? Você com certeza deve saber, especialmente porque ele nasceu e foi criado em sua casa. (...) Portanto, se em ambos os períodos - quando ser humano e quando não - ele tinha dentro de si opiniões verdadeiras que precisam apenas ser despertadas pelo questionamento para se tornarem conhecimento, sua alma então deve ter tido sempre essa ciência? Pois é claro que ou ele sempre foi um ser humano ou não foi. (...) E se a verdade de todas as coisas que existem está sempre em nossa alma, então a alma deve ser imortal? De modo que é preciso criar coragem e se esforçar em procurar e recuperar seja lá o que for que hoje porventura desconhecemos, isto é, não lembramos? "
Neste texto de Platão, há dois aspectos sob os quais irei digredir. O primeiro é a metodologia de ensino de Sócrates - que ele insiste em dizer não se tratar de ensino. E o segundo é a natureza do conhecimento apresentada por ele.
Não selecionei estes recortes do texto aleatoriamente. Algo no método pedagógico de Sócrates me chamou a atenção. Reparem o seu diálogo com o jovem rapaz, servo de Mênon. Se tiverem acesso ao texto original, reparem também que ele dialoga da mesma forma com Mênon e com uma possivel audiência (talvez o leitor ou seus discípulos presentes). O questionamento socrático parece exercer um efeito muito interessante sobre os interlocutores. Parece que a condução do questionamento torna a resposta algo muito valioso, talvez a resposta se torne até um estímulo reforçador para a pessoa que responde. Enquanto pergunta, Sócrates estabelece a resposta como um estímulo reforçador. Dessa forma, as perguntas de Sócrates podem ser entendidas como Operações Estabelecedoras. E a pessoa responde.
E mais do que isso, Sócrates também controla as respostas. Ele não faz perguntas sem apontar ou induzir as respostas: ele se utiliza de figuras geométricas, recurosos de linguagem, e creio que modula sua voz e suas e expressões faciais enquanto pergunta. Ele dá as respostas certas. Habilmente, Sócrates também seleciona as respotas corretas do interlocutor e descarta as incorretas. Ele usa reforço diferencial. Vai modelando a discussão. Ele afirma não estar ensinando. De fato, ele não está discursando. Mas não percebe que as conseqüências que ele planeja para as respostas de seus interlocutores selecionam as repostas correstas e as aumenta de freqüência. Ele não percebe que este método de fortalecimento do repertório verbal é talvez o melhor método de ensino que pode haver.
Apesar de afirmar que está questionando, ele está implementando uma tecnologia de ensino muito eficiente e sutil: ela conta com o principio de seleção de comportamentos por conseqüências elaborado per Skinner.
Quando Sócrates aponta sobre a natureza do conhecimento, pode-se apontar inúmeros problemas com relação a uma compreensão behaviorista radical. A primeira confusão que Sócrates faz é a substacialização do conhecimento - ele trata os comportamentos ligados ao conhecer como substantivos (saber, conhecimento, memória, sabedoria). Depois, traz a discussão para o campo da metafísica, dizendo o conhecimento seria de origem imaterial. E também teoriza sobre a interiorização do conhecimento. A argumentação de Sócrates está baseada na hipóstese negativa.
A tese de PHD de Skinner, a Operacionalisação dos Termos Psicológicos, trata de fazer o caminho inverso do proposto por Sócrates em sua concepção da natureza do conhecimento. E tradicionalemnte, a psicologia tem tratado as atribuições humanas em termos de substantivos. Ao invés de estudar a relação entre respostas e variáveis ambientais, a psicologia tradicional tem voltado as atenções para a memória, o inconsciente, o conhecimento, a doença mental e personalidade. A proposta de Skinner foi a de abandonar as substantivações e adotar o estudo das atribuições humanas em termos de verbos, abordando a relação entre nossas ações e seus efeitos no ambiente. Por exemplo, para estudar o conhecimento, sugere-se que se estude o falar, o pensar, o perceber, os estímulos prentes quando dadas essas ações, as conseqüências dispostas pela comunidade verbal para esses comportamentos, a natureza social deles, etc. Quantas pessoas já reparam na natureza social do comportamento de lembrar? Preste atenção a partir de hoje: nós geralmente agradamos muito uma criança quando lembra nosso nome ou quando nomeia adequadamente um objeto e certamente a corrigimos e desaprovamos quando faz o oposto. Para Skinner, são essas relações (entre lembrar, elogios e desaprovações) que devem ser estudadas. Não a memória. Skinner considera esses substantivos como ficções explanatórias, conceitos convenientemente criados pela comunidade verbal para explicar certos fenômenos complexos e incompreendidos em observações casuais.
A discussão da física versus a metafísica ainda se apresenta na psicologia sob a forma de estudo da mente versus estudo do comportamento. Segundo uma concepção científica atual, esse dualismo cartesiano não é consebível. E foi Skinner quem rompeu com a tradição psicológica negando não apenas o estudo da mente, mas questionando a existência de uma mente iniciadora de comportamentos. Sem dúvida nos comportamos verbalmente e falamos sobre muitas coisas. Também sentimos muitas coisas e nosso corpo não está equipado para que possamos descrever exatamente que eventos estão envolvidos no nosso comportamento perceptual, mas qualquer explicação que recorra a mente está superada. Devemos estudar o comportamento verbal e a fisiologia da percepção para entendermos o que antes era obejto de estudo da psicologia mentalista.
A interiorização do conhecimento, proposta por Sócrates, remete à crítica ao mentalismo. A crítica ao mentalismo se trata da crítica à concepção de homem como iniciador da ação. Sócrates argumenta que o homem possui o conhecimento dentro de si e que a partir daí ele poderá demonstrá-lo. Esta colocação obscurece o estudo da real origem dos comportamentos relacionados ao conhecer (ouvir, perceber, falar, lembrar, etc.) e tem grandes implicações práticas. Esses comportamentos estão sujeitos a leis operantes e assim devem ser estudados. Sócrates mesmo aponta para a inutilidade da pedagogia mediante uma concepção internalista e metafísica. É de muito maior proveito, além de que experimentalmente subsidiada, a visão analítico comporamental do conhecer, que envolve o estudo da experiência do indivíduo, e que possibilita o desenvolvimento de tecnologias adequadas para o ensino.
É notório que boa parte da retórica de Sócrates está em sua habilidade de conduzir a discussão. Mas sua argumentação, quando aparece, está baseada na hipótese negativa para a explicação dos fenômenos. Hipótese negativa pode ser lida como "se isso não acontece por causa disso, então acontesse por causa daquele outro". Dessa forma, Sócrates vai excluindo certos raciocínos e apresenta algum que, mesmo sem experimentação, recebe estatus de explicação. Devido à natureza complexa dos eventos em discução, provavelmente não haverá como provar que o argumento final de Sócrates não é razoável, mas a hipótese negativa na ciência não explica aquilo que um fenômeno é, explica tudo aquilo que um fenômeno não é. Porém, com relação aos temas abordados por Sócrates no Mênon de Platão, há uma alternativa explicativa muito mais satisfatória na Análise Experimental do Comportamento.
Neste texto de Platão, o Mênon, foram abordados dois aspectos do discurso de Sócrates: seu método de ensino e sua concepção de natureza do conhecimento. Apesar de conduzir muito bem o procedimento de modelagem de comportamentos, Sócrates concebe a natureza de uma forma muito inconsistente segundo uma abordagem behaviorista radical.