quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

As Duas Vias, Parmênides.

Esta primeira análise de um texto clássico foi para mim um presente inesperado. A obra de Parmênides, filósofo pré-socrático, fundador da escola eleática (em Eléia, uma colônia grega no sul da Itália), de V AC., surpreende com uma concepção naturalista de compreensão da realidade, em alguns pontos semelhante (de maneira notável) a uma análise behaviorista radical. Segue um fragmento do poema As duas vias.

“Resta-nos assim um único caminho: o ser é. Neste caminho há grande número de indícios; não sendo gerado, é também imperecível. Possui, com efeito, uma estrutura inteira, inabalável e sem meta. Jamais foi e nem será, pois é, no instante presente, todo, inteiro, uno, contínuo. Que geração se lhe poderia encontrar? Como, de onde cresceria? Não te permitirei dizer nem pensar o seu crescer do não-ser. Pois não é possível dizer nem pensar o que o não-ser é. Se viesse do nada, qual necessidade teria provocado seu surgimento mais cedo ou mais tarde? Assim, pois, é necessário ser absolutamente ou não ser. E jamais a força da convicção concederá que do não-ser possa surgir outra coisa. Por isto, a deusa da Justiça não admite, por um afrouxamento de suas cadeias, que nasça ou que pereça, mas mantém-no firme. A decisão sobre este ponto recai sobre a seguinte afirmativa: ou é ou não é. Decidida está, portanto, a necessidade de abandonar o primeiro caminho, impensável e inominável (não é o caminho da verdade); o outro, ao contrário, é presença e verdade. Como poderia perecer o que é? Como poderia ser gerado? Pois se gerado, não é, e também não é, se deverá existir algum dia. Assim, o gerar se apaga e o perecimento se esquece.” Borheim, G. (Org). Os filósofos pré-socráticos. 7. ed. São Paulo: Cultrix. 1993.

Nesta passagem, Parmênides trata do ser que é e o contrapõe com o não ser que não é, estabelece para o leitor dois tipos de análise da realidade e conclui falando da continuidade do ser talvez sob uma perspectiva lógico-indutiva a partir de eventos que não foram explicitados.
Quanto à definição do ser como “ser que é”, talvez a aparente tautologia envolvida no jogo de palavras dificulte uma análise behaviorista radical. Mas podemos exemplificar o ser, nesse caso, como uma pessoa. Uma pessoa é, existe, se comporta, pensa (se comporta), enfim. Porém acredito que seria difícil não ser contra-argumentado sobre o ser de demais coisas, como na pergunta “então animais não são?”. Acredito que são. Animais existem, se comportam. E as plantas? De certa forma, biólogos podem referir-se a certos comportamentos de plantas. Considerem as águas-vivas. E os demais objetos também podem ser incluídos nessa lista. Penso que o ser de Parmênides faz referência a pessoas, animais, plantas, objetos e, muito importante, faz referência aos nossos comportamentos em relação a eles – comportamento sob controle de estímulos. Pessoas, animais, plantas e objetos me estimulam o tempo todo e me comporto em relação a elas, as olho, busco, pego, percebo. Não posso negá-las. Se peço para chamarem-me o fulano, o chamam. Se eu assobio, meu cachorro vem brincar. Se molho meu vaso de margaridas, elas voltam a vida. Se eu olho (e obedeço) uma placa de transito, evito acidentes. Dessa forma, o ser são as coisas. Elas são ser, bem como eu sou, se posso me comportar em relação a elas.
Porém, seria impossível se comportar em relação a coisas que não são o ser? Uma análise sincera nos diria que sim. Mentiras, ficções explanatórias, regras mantidas por aquiescência, enfim, são exemplos de comportamento verbal que podem ser estímulos em relação aos quais nos comportamos. Podem ser regras (no caso, falsas-regras). O problema é que segui-las costuma ser prejudicial a longo prazo. Uma pessoa pode manter a castidade ou sentir culpa por não mantê-la devido a contingências sociais – mas o preço é o sofrimento, isolamento, mentiras. Ser casto pode ser aprovado pela comunidade, mas as implicações afetivas podem fazer sofrer o celibatário – este é só um exemplo entre milhares possíveis. A função das afirmações de Parmênides quanto ao não-ser, no texto, podem ser de estabelecer que ele aprovaria sempre que pessoas seguissem regras que realmente tratem da realidade (rastrear), mas que ele não aprovaria ou criticaria o seguir regras que só são mantidas pela aprovação das outras pessoas (aquiescer). A argumentação dele pode esconder um julgamento de valor entre rastrear e aquiescer. Se Parmênides o faz, o faz bem, posto que cabe mesmo à filosofia esse julgamento. A ciência só pode tratar dos dados relativos a cada tipo de regra. Talvez o único problema na obra dele seja considerar o aquiescer como impossível. Aquiescer é possível, porém crítico.
Não sei com base em que dados, mas Parmênides acertadamente discute a continuidade do ser e pressupõe a existência real natural - e não metafísica - do mundo sob análise. Esse princípio subsidia uma compreensão científica do mundo, como na Análise Experimental do Comportamento. Há uma ordem contínua entre os eventos: evolução, mutação, reação, inércia, reforço, modelagem, enfim. O próprio comportamento é contínuo e apenas recortado para estudo. É multideterminado e não se pode ainda conhecer todas as variáveis – tudo aquilo que explica o porquê alguém se comporta. Ainda faz referência ao caráter não teleológico, ou seja, não orientado para o futuro do ser. Uma pessoa não faz algo, não pensa, não cria, porquê quer fazê-lo, tem vontade ou tem um objetivo. Para o behaviorismo radical, é a história passada que altera a probabilidade de um comportamento. Uma pessoa é modificada e passa a se comportar de certa forma diante de certo contexto. O que “acontecerá” não existe nesse sentido. Isso faz oposição a outros pensamentos que definem o comportamento como que orientado para o futuro.
No mais, o texto de Parmênides me parece muito coerente segundo uma abordagem behaviorista radical. Eu me comporto em relação a mim mesmo e às demais coisas, e essas coisas existem em um mundo real – me estimulam. Outras coisas não existem, como as coisas a que se referem às falsas-regras, e posso até me comportar em relação a estas, mas a um preço alto. É melhor rastrear do que aquiescer. O mundo está integrado em uma continuidade, o que é confirmado por abordagens científicas. O próprio comportamento é contínuo, muito embora não esteja pré-determinado ou possa ser orientado para o futuro. De forma geral, há muita concordância entre o behaviorismo radical e o texto de Parmênides e quisera o pensamento filosófico de toda a história tivesse permanecido nesse viés.